O Castelo de Guimarães: das origens ao século XV – Parte II (07/07/2018)

Figura 1. Vista aérea do castelo de Guimarães. Agradeço ao Pedro Alves por me ter cedido a imagem.
Figura 2. Entrada da torre de menagem. Esta apresenta uma porta com arco perfeito. O passadiço seria originalmente levadiço, permitindo assim a defesa dos homens do alcaide em caso de penetração inimiga na muralha.

Como já referimos na 1ª parte, o castelo de Guimarães sofreu reformas de adaptação à arquitectura militar gótica na segunda metade do século XIII (Fase IV). Estas obras já estão atestadas em 1254, e talvez continuariam pelo menos até 1321, quando o lavor do castello de Guimarães é ainda mencionado na chancelaria de D. Dinis. A reforma gótica, com pedras sigladas, assistiu à instalação dos oito torreões da muralha, instalados nas áreas mais sensíveis como as Portas da Vila (Figura 3) e da Traição (Figura 4) ou vários dos ângulos da fortificação, e ao aumento em altura ou reconstrução de muros do castelo, subindo assim o nível do adarve* para o seu nível actual. A isto acresce a construção da torre de menagem, com quase 25 metros de altura e dotada originalmente de um hurdício, uma estrutura de madeira pela qual se poderiam atirar projécteis sobre os atacantes (Figura 5). O passadiço por onde hoje os turistas passam para ver a exposição dentro da torre poderia ser levantado em caso de necessidade (Figura 2).

Figura 3. A Fachada Poente do castelo, correspondente à Porta da Vila.
Figura 4. A fachada Nascente, correspondente à Porta da Traição.
Figura 5. Maquete do castelo na época de D. Dinis, com o hurdício na torre de menagem. Retirado da tese de Rafael Azevedo.

A todos estes melhoramentos, acresciam-se as muralhas da vila, em construção também desde 1254 até pelo menos 1318, que para além de oferecerem protecção às casas do burgo, também permitiam evitar que o castelo se enchesse com refugiados à procura de abrigo. O castelo está articulado com estas muralhas, parcialmente preservadas nos pontos de contacto com os torreões Norte e Sul.

Figura 6. Secção da muralha da vila comunicante com o Torreão Noroeste.

Se o castelo românico era um osso duro de roer e palco importante da História portuguesa, a fortificação gótica desempenhou também um papel importantíssimo em vários dos conflitos internos e externos durante o século XIV, resistindo com mais ou menos sucesso a vários cercos em conjunto com as muralhas da cidade, como veremos a seguir de modo sucinto:

– 1322: Guimarães resistiu, entre finais de Março e inícios de Abril, ao cerco do Infante Afonso, sob o comando do meirinho-mor do reino (simplificando para quem não anda a par da estrutura administrativa da época, uma espécie de “chefe da polícia”) e alcaide deste castelo, Mem Rodrigues de Vasconcelos, com a ajuda dos besteiros do conto locais. Assim, após 10 dias de cerco, foi travada a ofensiva fulminante do infante desde Coimbra e D. Dinis pôde recuperar a iniciativa com um ataque sobre Leiria e Coimbra. Infelizmente, não se conhece o exacto estado das obras das defesas de Guimarães nesta altura. Embora a sua conclusão seja provável, pelo menos no relativo ao castelo, até pela defesa bem-sucedida do alcaide vimaranense, é possível que ainda não tivessem sido completadas nesta altura;

Figura 7. Enrique II e Juan I de Castela. Pormenor do Retábulo da Virgem de Tobed, Museu do Prado.

– 1369: a Primeira Guerra Fernandina ainda é mal compreendida pela historiografia portuguesa em certos aspectos e o seu estudo não é apropriado para uma página de divulgação histórica como o Repensando, contudo tentemos um resumo do cerco de Guimarães nesta altura, com base num dos cronistas mais fascinantes e problemáticos da Idade Média portuguesa: Fernão Lopes, na sua Crónica de D. Fernando. Mais uma vez, a vila de Guimarães travou uma ofensiva, desta vez estrangeira, no quadro da Primeira Guerra Fernandina. Após o “passeio militar” de Fernando I na Galiza, Enrique II de Castela reagiu com a sua própria expedição pela Galiza e mais tarde por Entre-Douro-e-Minho. Após a tomada por traição do castelo de Braga, as forças castelhanas dirigiram-se a Guimarães, tendo começado o cerco a 1 de Setembro (data um pouco problemática) após algumas escaramuças iniciais. Rapidamente, o cerco escalou de intensidade, procurando o rei castelhano vencer a vila, quer com assaltos continuados com máquinas de cerco, quer com uma tentativa de infiltração de Diogo Gonçalves de Castro, que se fazia passar por um homem do julgado de Guimarães e procurava incendiar a vila de modo a distrair os habitantes de um ataque castelhano. Infelizmente para os sitiantes, o agente castelhano foi reconhecido e morto. Por outro lado, os defensores retaliavam com as suas próprias máquinas de cerco e assaltavam o arraial castelhano, de onde poderão ter libertado o conde petrista Fernando de Castro, prisioneiro de Enrique II (ou talvez ele se tenha conluiado com o homem que o guardava para fugir e encontrar refúgio no castelo). De qualquer das maneiras, este cerco acabou quando Fernando I liderou um exército de socorro desde Coimbra até ao Porto, forçando Henrique II a retirar-se. Contudo, como retaliação o rei castelhano pôs Trás-os-Montes a ferro e fogo aquando da sua retirada;

Figura 8. Torre do Sino de Correr, erroneamente chamada Torre da Forca. Aqui foi instalado, no século XIV, o sino que era tocado quando as portas da vila de Guimarães eram fechadas ao anoitecer.

– 1385: depois da aclamação de João I como rei a 6 de Abril de 1385, Nun’Álvares Pereira começou a submeter à sua autoridade a maior parte dos castelos no Entre-Douro-e-Minho, onde só o Porto e o castelo de Gaia (destruído em 1384 pelas gentes da cidade vizinha…) tinham voz pelo Mestre de Avis. O rei, depois de ter passado pelo Porto, juntou-se ao Santo Condestável e cercaram vários castelos e vilas, incluindo o de Braga, Guimarães ou Ponte de Lima. Em Guimarães, o alcaide era desta vez Aires Gomes da Silva, o antigo aio de Fernando I, que apesar de doente era um comandante muito experiente. Após conseguir dominar a vila com a ajuda de dois homens locais que lhe abriram as portas, o cerco do castelo começou a 8 de Maio. Com a ajuda de artesãos do Porto e após concentrar homens e recursos, o novo monarca português ordenou a construção de uma bastida (uma plataforma de onde os atacantes poderiam ganhar vantagem de altura sobre os sitiados e disparar sobre o adarve com bestas ou balistas) e de escadas, usadas para um primeiro assalto ao castelo. Com uma das escadas quebradas por uma pedra atirada pelos sitiados, João I ordenou a retirada, mas de seguida tentou incendiar as portas sem sucesso. Em virtude deste assalto, ou talvez de um ataque fracassado ao arraial do rei que teria acabado no incêndio das portas e a entrada da hoste régia na muralha do castelo, Aires Gomes da Silva pediu preitesia** a João I. O acordo foi firmado, todavia as hostilidades recomeçaram quando os atacantes, sem consentimento régio, puseram fogo às portas do muro e penetraram na cerca velha, de acordo com Fernão Lopes. Quando soube disto, João I pediu desculpas a Gomes Aires da Silva, mas recusou-se a devolver o controlo sobre os muros… Os combates recomeçaram até que o mensageiro enviado pelos sitiados a Juan I noticiou a falta de ajuda vinda de Castela (o monarca castelhano planeava uma nova invasão). Finalmente, o alcaide vimaranense rendeu-se provavelmente em inícios de Junho e saiu da vila, morrendo pouco depois.

Figura 9. O Paço do Alcaide (séculos XV-XVI).

Após a revolução de 1383-1385, posto que não tenha experimentado mais episódios militares de monta, o castelo não foi abandonado subitamente. Bem pelo contrário, na viragem do século XIV para o XV, provavelmente por iniciativa de João I, foi edificada uma barracã. Mais tarde, edificou-se o Paço do Alcaide (Figuras 9 e 10), erroneamente associado com o conde D. Henrique, que acabou por receber uma reforma manuelina em inícios do século XVI. A este propósito, comentamos que o Paço, com 4 andares e uma área média de 100-120 metros quadrados, é uma estrutura invulgar no panorama dos castelos medievais portugueses, sendo as habitações dos alcaides geralmente bem mais modestas na documentação e vestígios materiais existentes. O declínio só começaria a ocorrer já no século XVI, devido à evolução da prática bélica, tendo o castelo passado a albergar a prisão vimaranense.

Figura 10. Vista exterior do Paço do Alcaide do castelo de Guimarães (séculos XV-XVI).

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*Adarve – Passeio da ronda de um castelo.

**Preitesia – trégua, por um período negociado, durante a qual os sitiados num cerco pediriam ajuda ao seu senhor, que era no caso citado aqui Juan I e D. Beatriz. Depois, ou seria enviada ajuda para levantar o cerco ou o castelo seria rendido aos atacantes no fim do período estipulado. Os sitiados poderiam sair em liberdade e com as suas armas se assim o entendessem, com a sua honra intacta.

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Fontes usadas:

Azevedo, Rafael da Silva (2011). Evolução dos Sistemas Fortificados: o Castelo e as Muralhas de Guimarães. Dissertação de Mestrado Integrado em Engenharia Civil apresentada à Escola de Engenharia da Universidade do Minho.

Barroca, Mário Jorge (1990/1991). Do castelo da reconquista ao castelo românico (séc. IX a XIII). Portugália, vols. 11-12, pp. 89-136.

Barroca, Mário Jorge (1996). O Castelo de Guimarães. Patrimonia, Identidade, Ciências Sociais e Fruição Cultural, Nº 1 – Outubro, pp. 17-28.

Barroca, Mário Jorge; Lourenço, Paulo B. (2013). O Castelo de Guimarães. Reitoria da Universidade do Minho, Braga,

Christys, Ann (2015). Vikings in the South. Voyages to Iberia and the Mediterranean. Bloomsbury Academic, Londres, p. 76.

Costa, Bárbara Patrício Leite (2014). Engenhos, armas e técnicas de cerco na Idade Média portuguesa (séculos XII-XIV). Dissertação de Mestrado em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 128-130.

Duarte, Luís Miguel Duarte (2006). Depois de Coimbra, in Batalhas da História de Portugal, vol. IV, Guerra pela Independência, 1383-1389. Quidnovi, Porto, pp. 105-107.

Lopes, Fernão (2004). Crónica de D. Fernando, Giuliano Machi (ed.). Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Caps. XXXIV e XXXV.

Martins, Miguel Gomes (2012). A guerra em Portugal no reinado de Afonso II, no contexto das Navas de Tolosa; in Diez, Carlos Estepa; Ruiz, María Antonia Carmona, Monografías de la Sociedad Española de Estudios Medievales, nº 5, La Península Ibérica en los Tiempos de las Navas de Tolosa. Sociedad Española de Estudios Medievales, Madrid, 2014, pp. 443-458.

Martins, Miguel Gomes (2014). A Arte da Guerra em Portugal, 1245 a 1367. Imprensa da Universidade de Coimbra, págs. 410 e 547-548.

Martins, Miguel Gomes (2015). Guerreiros de Pedra: Castelos, Muralhas e Guerra de Cerco em Portugal na Idade Média. Esfera dos Livros, Lisboa, pp. 45-48 e 257-258.

Mattoso, José (2007). D. Afonso Henriques. Temas & Debates, 2ª edição, Lisboa, pp. 58-65.

Pires, Hélio (2012). Incursões Nórdicas no Ocidente Ibérico (844-1147): Fontes, História e Vestígios. Dissertação de Doutoramento em História Medieval apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pp. 134-136 e 251-253.

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~ José Luís Pinto Fernandes

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